sábado, 10 de maio de 2014

História da Beleza - 1º Ano - 2º Bimestre

     A Grécia Antiga foi o berço das reflexões filosóficas mais reconhecidas sobre estética e beleza que passaram a nortear a nossa civilização. O tema da beleza foi associado aos conceitos de harmonia, proporção, simetria e esplendor. Relacionava-se também à ideia de justiça e de conhecimento. As formas perfeitas e as medidas simétricas solidificaram um modo “matemático” de ver a beleza.

     Na mitologia grega, o deus que representa a beleza masculina é Apolo, considerado o mais belo do Olimpo e também o deus protetor das artes (poesia, música, dança etc.) e da medicina. Outro mito greco-romano também muito conhecido é Narciso, jovem de singular beleza, cuja vida seria longa desde que não contemplasse, jamais, a própria imagem. Conta o mito, porém, que, no dia em que viu seu rosto refletido nas águas de uma fonte, Narciso se apaixonou tão perdidamente por sua própria imagem que, de tanto contemplá-la, morreu afogado.

     A civilização grega também difundiu a ginástica como o elemento da formação integral do indivíduo, cultuando a harmonia da forma física e o desenvolvimento do espírito. A educação, segundo o filósofo Platão, deveria proporcionar ao corpo e à alma toda a perfeição e a beleza de que são capazes. Ao lado da preparação física, os poemas homéricos eram à base dessa educação que se pautava em heróis e na virilidade guerreira. Entretanto, ao final do século IV a.C., as manifestações religiosas do politeísmo grego
(inclusive os Jogos Olímpicos) foram proibidas. Gradativamente, a cultura religiosa e a ideia de transitoriedade do corpo mudaram o foco da beleza mundana para a celestial. Com o avanço da religião cristã evidenciou-se a compreensão do corpo feminino como aquele da beleza contemplativa e inalcançável, ao passo que o corpo masculino trazia a marca da força e da invencibilidade.Os homens eram os defensores dos princípios e das virtudes, responsáveis pelo trabalho na terra e pelo sustento das famílias.

     Na Idade Média, o corpo passou a identificar-se como o lugar de encarceramento do espírito. Como as formas físicas eram consideradas passageiras, cuidar do corpo era considerado pecado. Esse moralismo medieval fortaleceu o dualismo da beleza entre interna e externa, entre espiritual e física. No século XI, a
beleza feminina foi espiritualizada. Houve uma respeitosa adoração à mulher, idolatrada num amor platônico e inatingível, pela voz dos trovadores e dos romances cavalheirescos. Enaltecia-se a beleza da mulher angelical, de traços delicados, pele clara e cabelos em requintados penteados.

     Com o cristianismo alteraram-se os princípios que norteavam o sentido de beleza. As coisas belas se revelavam na alma e não fora dela. Os exercícios físicos, que antes eram difundidos para expressar a beleza interior, passaram a ter a conotação de desviar o homem do encontro com Deus.

     O Renascimento, movimento intelectual, estético e social ocorrido nos séculos XIV e XV retomou a cultura física, as artes, a música, a ciência e a literatura tão valorizadas na Antiguidade ocidental. Houve mais investimentos na educação e na saúde. A mulher,antes inspirada na imagem de “Maria”, virgem,pura, angelical e inalcançável, passou a ser adorada por suas formas físicas. A beleza do corpo  foi novamente explorada.

     O corpo passou a ser dissecado, dividido e analisado em sua composição biológica para ser com-preendido pela ciência. Destaca-se o trabalho de Leonardo da Vinci (1452-1519), que estudou os movimentos dos músculos e das articulações, criou as regras de proporção do corpo humano e produziu um dos primeiros tratados de biomecânica. Seu “homem vitruviano” simbolizava as proporções corporais ideais: face medindo 1/10 do comprimento total do corpo, a cabeça 1/8 e o tórax 1/4. A chamada proporção áurea definiu os cânones para que a beleza fosse revelada pela simetria. Havia, por exemplo, uma medida-padrão entre as duas orelhas ou os dois olhos. Quanto mais igual, perfeita, simétrica e equilibrada a forma, maior a contemplação da beleza.

                                          Figura 1 - O homem vitruviano, desenho de Leonardo da Vinci, de 1492.

     No século XVIII, marcado pela Revolução Industrial, estabeleceu-se uma nova concepção de beleza. A ciência difundiu a ideia de modelagem e adestramento do corpo, por meio dos aparelhos que ajudavam a corrigir e melhorar posturas consideradas inadequadas do ponto de vista médico, ortopédico e estético. Surgiram as “séries de exercícios físicos” para trabalhar grupos musculares específicos. A ginástica, prática “comprovadamente científica”, anunciada como meio de potencializar as ações e os gestos, estava relacionada ainda à noção de economia de tempo, de gasto de energia e de cultivo à saúde.

     A partir do século XIX a ideia de beleza se modificou. O corpo humano foi explorado em seu caráter terreno, tátil, sensual, sede do pecado e do prazer. Nos anos 1920 e início da década de 1930, evidenciou-se mais a beleza do corpo feminino que do masculino. Houve mais liberdade para mostrar os seios em decotes, vestir saias curtas e expor a sensualidade. No final dos anos de 1930 até 1950, o puritanismo vulgarizou a mulher que demonstrava sua sensualidade: a beleza do corpo precisava ser discretamente revelada, ao invés de escandalosamente exibida.

     Na década de 1960 vários movimentos pregaram a liberdade sexual e a emancipação da mulher. Muitas protestaram contra sua histórica submissão. O corpo, antes modelado e preso no espartilho, ganhou liberdade. Até mesmo as mulheres grávidas começaram a mostrar a barriga em público.

     A exibição do corpo belo passou a ter cada vez mais valor comercial. A nova beleza do século XX unia, ainda mais, as forças da ciência, da indústria e do comércio. A beleza, agora exibida nos meios de comunicação de massa, passou a ser “produto” de consumo, vendido como imagem e como bem. Cresceu a venda de roupas curtas, sensuais e exóticas. Maquiagens, sutiãs, lentes de contato; além disso, maneiras de andar e sentar ditaram regras da postura feminina. Investiu-se numa nova cultura estética, que instaurou a “ditadura da beleza”. Os estereótipos foram definidos para cada detalhe: cabelos (surgiu uma variedade de cosméticos e aumentou o número de pessoas que mudavam a cor e os cachos), olhos (coloridos, fortes, marcados pelo delineador e pelo rimel), pele (sem manchas, sem estrias, sem celulite), roupas (justas, com decotes e na moda) e seios (com silicone, ficando muito à mostra). A indústria químico-farmacêutica produz cremes e remédios que prometem modificar tudo:pele, contornos e pesos.

     Se nos últimos anos o investimento mercadológico na beleza expandiu seu foco, a exigência da beleza deixou de ser apenas sonho para modelos e manequins e tornou-se um atributo essencial a pessoas de todas as idades. Ser belo e aparentar juventude tornou-se um dever, uma busca a qualquer preço e risco.

     Na modernidade o corpo foi redescoberto, despido e modelado pelos exercícios físicos. Novos espaços e práticas ginásticas/esportivas passaram a convocara as pessoas para modelar o corpo. Multiplicaram-se os locais públicos e privados para práticas físicas: academias de ginástica, salas de musculação, praças, parques e clínicas estéticas.

     A ciência aperfeiçoou ainda mais suas técnicas para inovar no visual. Tornou-se possível alterar a cor da pele, mudar de rosto, aumentar os seios ou as nádegas, conquistando assim o padrão de beleza vigente, construído com botox, silicone, tintas, cirurgias plásticas, dietas arriscadas e muita maquiagem. Com a crescente mercantilização do corpo feminino, a beleza natural foi desaparecendo, naturalizando-se a beleza produzida artificialmente.

     Se inicialmente a principal referência de beleza eram as mulheres europeias e nórdicas,este conceito foi se alargando. Ao longo da história, ora o corpo belo tem seios grandes, cabelos longos e cacheados, cinturinha desenhada com espartilho e quadril largo, ora o corpo belo tem cabelos lisos, seios delineados,
quadril estreito, pernas longas, braços finos, com medidas quase anoréxicas.

     Todavia, é preciso ressaltar que os diferentes grupos culturais podem ver a beleza de maneira diferente − por exemplo, os grupos indígenas ou afrodescendentes –, tanto a sua própria como a dos outros grupos. Embora a exploração da beleza feminina seja mais enfatizada, também os padrões de beleza para os homens têm sofrido transformações. Muitos homens também começaram a dedicar-se aos cuidados estéticos. Chamados de “metrossexuais”, eles passaram a frequentar salões de beleza, fazer as unhas, pintar os cabelos e/ou depilar os pelos do peito.


     Em todos os canais de comunicação e também nos espaços públicos, ditam-se as regras de cultivo do corpo. Dentre os exercícios físicos, difundiram-se a musculação, o fisiculturismo, as atividades de fitness. O corpo belo é aquele sempre “superdefinido”, “durinho”, sem celulite ou estrias. Além da “boa forma”, valorizam-se o tipo de pele, o bronzeado, mesmo que artificial, e as medidas corporais − alteradas tanto com os recursos das roupas íntimas com enchimentos, quanto com as cirurgias. Os salões de beleza prometem alisamentos progressivos e permanentes. Os cabelos modificados (com escovas “revolucionárias” de formol, chocolate etc.) deixaram até de ser uma característica para identificar alguém. A beleza vem sendo tão artificializada, que os cabelos naturais são apontados como falsos. Como você ainda não pintou? Fez chapinha hoje? As perguntas cotidianas declaram: não sabemos mais o que foi alterado com recursos da beleza.

     A doentia busca pela beleza deve ser um assunto discutido também na escola, inclusive nas aulas de Educação Física. Devem-se alertar os alunos que a “beleza” é um tema complexo, influenciado por interesses religiosos, políticos, ideológicos e comerciais que direcionam nosso modo de vê-la e buscá-la. Por isso, é primordial compreender que a “beleza” depende do contexto histórico em que estamos inseridos ou de quais referenciais nos valemos

para interpretar a realidade.